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28/10/2007
Belo Horizonte, uma cidade onde o mundo é um bar
De Seth Kugel
Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, conseguiu se tornar a terceira maior
cidade do Brasil e continuar quase totalmente desconhecida para o mundo
exterior. Se os turistas —mais atraídos para os prazeres sensuais do Rio de
Janeiro ou a agitação urbana de São Paulo— a conhecem é porque passam por ela a
caminho de Ouro Preto e Diamantina, vendo-a mais como uma escala para
reabastecimento na rota das pitorescas cidades mineiras da era colonial.
A tradicional parede com marcas de cachaça, para a escolha do cliente, em bares
de BH
Seu anonimato internacional se explica pela falta de litoral, e portanto de
praias, de um carnaval famoso e de grandes atrações, exceto alguns edifícios
desenhados por Oscar Niemeyer que empalidecem perto de suas famosas obras de
Brasília.
Mas "Beagá", o apelido da cidade, pode reivindicar fama como capital brasileira
dos bares. Não bares como nos saguões elegantes de hotéis ou em mercados
agitados, mas botecos —lugares informais onde diversas gerações se encontram, se
sentam, bebem cerveja e aguardente e muitas vezes fazem uma refeição informal. A
se acreditar na propaganda local, a cidade tem 12.000 bares, uma quantidade per
capita maior que a de qualquer outra cidade do país. Por quê, ninguém tem
certeza absoluta, mas uma teoria se transformou em ditado popular: "Não tem
mares, tem bares".
Embora os guias turísticos raramente os mencionem, eles são uma ótima maneira de
os viajantes mergulharem na vida social de uma cidade cuja área metropolitana
explodiu nas últimas décadas, para mais de 5 milhões de habitantes. A melhor
época de visitá-la é em abril, para a competição 'Comida di Buteco', quando
cerca de 40 dos melhores bares disputam prêmios em categorias como higiene,
cerveja mais gelada, serviço e, principalmente, o melhor tira-gosto. Os
vencedores são decididos não apenas por juízes, mas pelo voto público, dando aos
moradores uma boa desculpa para sair todas as noites durante um mês.
Se você perder o concurso, não se preocupe. Toda noite do ano parece ter uma
clima de festa em Belo Horizonte. Vá até a Mercearia Lili (rua São João
Evangelista, 696, Santo Antônio, 31-3296-1951), um participante habitual da
competição entre bares. É um dos muitos locais em Santo Antônio, um bairro de
alto nível, com ladeiras íngremes que exigem técnicas sobre-humanas de
estacionamento, ou, de preferência, use os táxis da cidade.
O bar é típico de muitas maneiras, a começar pelo mobiliário: mesas e cadeiras
de plástico amarelo com logotipo de cerveja, que se esparramam pela calçada
(garrafas de 600ml de cerveja, a ser compartilhada em pequenos copos, são as
preferidas em toda a cidade). O burburinho da conversa e o ruído das garrafas -e
não um DJ- fornecem a trilha sonora; homens e mulheres grisalhos e jovens que
nos EUA seriam menores de idade compartilham as mesas.
Não muito longe fica o Via Cristina (rua Cristina, 1203, Santo Antônio,
31-3296-8343). É mais elegante, com mesas cobertas de toalhas xadrez verde e
brancas, garçons uniformizados e uma parede de cachaças —centenas de garrafas
diferentes da aguardente de cana-de-açúcar— que os barmen alcançam usando uma
escada como as de bibliotecas. Sua participação no concurso deste ano foi o
Raulzito, um bolinho frito recheado de carne-seca que custa R$ 2,00.
Se houvesse um prêmio pelo "Mais Difícil de Chegar", o Freud Bar (sem endereço,
Nova Lima, 31-8833-9098, mapa em freudbar.com) ganharia todos os anos. O lugar
fica escondido no meio de uma mata perto da cidade, e chega-se lá por uma
estrada sinuosa de terra. O bar é construído num morro, aquecido por lareira e
tem algumas mesas sob as árvores. Tem música ao vivo (blues e rock) e serve um
cardápio limitado, mas criativo, como vinho quente ou uma sopa de abóbora,
mussarela e frango (R$ 3,50), uma boa variação da sopa de feijão com toucinho
oferecida em quase todos os botecos.
Informal, com suas mesas e cadeiras 'diferenciadas', o Bar do Caixote é um dos
muitos botecos de 'Beagá'
Os botecos não são apenas assuntos noturnos, como você descobrirá se for ao
Mercado Central da cidade numa tarde de fim de semana. Claro, há barracas que
vendem frutas, carne, os famosos queijos de Minas, cães e aves vivos (para
mascotes) e galinhas vivas (para jantar). Mas o mercado também é cheio de bares
lotados e barulhentos como o Lumapa, onde as autoridades precisam cercar com
correntes a calçada para que os clientes do mercado possam circular. Uma opção
mais calma é o Casa Cheia (Mercado Central, loja 167, Centro, 31-3274-9585), um
lugar com mesas que serve criações como o Mexidoido Chapado, uma mistura de
arroz, legumes, quatro tipos de carne e ovos de codorna.
Também vale a pena ir aos bairros mais distantes para ver algumas versões mais
excêntricas de bares. (Com 11.999 concorrentes, faz-se o possível para se
destacar.) O ultra-informal Bar do Caixote (rua Nogueira da Gama, 189, João
Pinheiro, 31-3376-3010) tem mesas e cadeiras feitas de caixotes de madeira.
O vencedor geral do concurso deste ano, o Bar do Véio (rua Itaguaí, 406,
Caiçara, 31-3415-8455), fica num bairro distante e o motorista de táxi pode ter
dificuldade para encontrá-lo, mas qualquer pessoa na região poderá lhe indicar.
Seu prato simples de pedaços de carne de porco com bolinhas douradas de batata
frita, servido com molho de abacaxi e hortelã, foi o tira-gosto vencedor de
2007.
Quando você precisar de um descanso dos bares, faça um passeio à tarde ao bairro
da Pampulha, onde há vários edifícios de Niemeyer, incluindo sua famosa Igreja
de São Francisco de Assis. O bairro também abriga o mais famoso restaurante de
Belo Horizonte, o Xapuri (rua Mandacaru, 260, Pampulha, 31-3496-6198), o melhor
da cidade para experimentar a tradicional cozinha 'caipira' de Minas Gerais. E
no domingo de manhã você pode encontrar presentes incomuns na 'feira hippie' (ou
Feira de Arte e Artesanato da Afonso Pena), dois longos quarteirões da avenida
Afonso Pena cheios de roupas, jóias, artigos de decoração e artesanato. Quando
terminar, pare nas barracas nas duas extremidades para comer peixe frito ou
doces de coco, ou entre para descansar no maravilhoso Parque Municipal, logo
abaixo da feira. Em qualquer um deles você não estará longe de um vendedor
ambulante pronto para lhe abrir uma lata de cerveja. Em Belo Horizonte, o mundo
é um bar.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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